No carnaval não há distinção, todos têm a mesma identidade cultural: a de folião! Não importa se são advogados ou médicos durante o ano, nos dias de carnaval todos assumem uma identidade carnavalesca, caracterizada por fantasias, uniformes de blocos, todos querem aproveitar e serem reconhecidos como pertencentes a esta festa.
Não há pluralidade, mas sim singularidade, nomes são esquecidos, soteropolitanos e estrangeiros se misturam e todos se enquadram em uma identidade temporária e grupal.
Quem é você? Quem sou eu? Quem somos nós no carnaval?
Essas são perguntas que nos remetem a subjetividade dos indivíduos diante de uma festa popular de repercussão mundial que influencia na identidade de cada um. Durante sete dias milhões de pessoas assumem um outro jeito ser e no momento da despedida torcem para que chegue logo o próximo ano para esbanjarem e reassumirem um outro caráter. Segundo Bock (2003), na Grécia Antiga, na cidade de Delfos, existia o oráculo do deus Apolo, em cujo frontispício havia o lema: “Conhece-te a ti mesmo”. Conhecer a si mesmo, suas perspectivas, anseios e gostos é essencial para que o indivíduo saiba com qual grupo ele se identifica e desta forma conhecer qual a sua identidade grupal.
Esta identidade esta atrelada a gostos musicais, estilo de vida, cultura, etnia, dentre outros. Segundo o pai do método psicanalítico, Freud, a identificação é um processo psicológico pelo qual o sujeito incorpora um aspecto, uma propriedade, uma característica do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro. (LAPLANCHE; PONTALIS, 2008)
A identidade cultural que assumimos no carnaval e como a música influencia nesta formação é fundamental para entender que as pessoas mudam, embora continuem elas mesmas. O folião veste uma “máscara” social nesta festa que é embalada pelas melodias dos artistas. É comum nos espantarmos com aquela conhecida: “olha só, quem diria, ralando a theca no chão!”.
A música de sucesso da cantora Cláudia Leite neste carnaval: “Beijar na boca”, aborda uma pessoa infeliz, fracassada e que beijando na boca será feliz para sempre. “Eu estava numa vida de horror, com a cabeça baixa sem ninguém me dá valor, andava atrás (thururu) da minha paz (thururu) [...] Eu quero mais é beijar na bocaE ser feliz daqui pra frente... Pra sempre”.
A letra desta música como notamos é por vezes o momento que cada ser humano passa em sua vida, estar mal por ter ido mal numa prova, numa seleção de emprego, mas a solução dada pela música de beijar na boca, curtir o carnaval, faz o folião se identificar e extravasar como meio de conseguir a realização que precisa.
Percebemos que o que acontece é uma identificação provisória dos adeptos do carnaval com estas letras, assim a música contribui para a formação da identidade do folião, servindo de reforço. O que as pessoas precisam fazer para pertencer ao carnaval? Beijar na boca, beber, usar caracterizações, ser livre, fazer o que nos dias comuns “é improvável, é impossível”. Estes são os princípios desta festa, que tem a música como receita para estes fins, é ela quem dita as regras.
A música mais tocada no carnaval passado (2008) foi “Mulher Brasileira” do grupo Psirico, na qual as mulheres são enfatizadas como “toda boa” e por isso, por mais que estas não tenham o hábito de usarem shorts, maquiagem, se incorporam neste padrão e sentem-se as rainhas da festa. A sensualidade, marca do carnaval é reforçada pela música, roupas e atos das mulheres.
Outra música muito tocada também no carnaval passado foi “Vaza Canhão”, da Banda Black Style, ao contrário de mulheres brasileiras, toda bronzeada, é retratado mulheres totalmente fora dos padrões de beleza imposto pela sociedade. Alguém ouviu esta música este ano?
Não, Ivete cantou junto com Márcio Victor, a letra de “Toda Boa”, na qual ela e outras mulheres se identificam. No carnaval, a cantora Ivete Sangalo e as mulheres anônimas sentem-se rainhas da festa, as gostosas, e por isso, a música foi relembrada. A dona-de-casa, a médica, a psicóloga, a nutricionista sentem-se poderosas como a cantora.
Este ano a novidade era “beijar na boca” ao som de Claudia Leite e especular o que a cantora fez pra manter a boa forma? Ser a “Dalila” com Ivete Sangalo e ainda dançar ao ritmo de Angola através da música “Kuduro”, interpretada pelo grupo Fantasmão.
As músicas tocam e fazem quem está na pipoca, nos camarotes ou nos blocos liberar o “eu” que está preso dentro de si, é uma forma de reivindicar e de ser diferente numa semana do ano.
O folião passa por um processo de aceitação e identificação com as letras das músicas, todos nos libertamos dos estereótipos e somos a multidão que corre atrás do trio, em busca de que mesmo?
Na busca de reviver a identidade cultural de ser folião e se identificar com o que lhe faz feliz, mesmo que seja por apenas uma semana do ano, nota-se que no mês de fevereiro as pessoas sentem-se como uma represa preste a abrir as comportas, e as músicas tocadas impulsiona a libertação destas águas.